domingo, 6 de janeiro de 2008

Algumas linhas

“Se não fosse domingo”, ela lamentou. “Se não estivesse tão cansada”, suspirou. “Se não tivesse deixado para a última hora!" Agora, como libertar as palavras, tão escondidas, recolhidas com medo da folha em branco na tela?

Passara os últimos minutos apertando teclas, como a agulha abrindo caminho para linha. Lá no computador apareciam palavras: foi um substantivo, seguiu um verbo, pingou um artigo e chegou emplumado um adjetivo. “Ei, cabe um adjetivo? Ah, não! Sem adjetivo aqui!” Apagava tudo: adjetivo, artigo, verbo e substantivo. E lá estava a folha em branco a levantar a sobrancelha, desafiando. “Lutar com palavras é a luta mais vã”, disse o poeta.

Segurou o retalho com os dedos gordinhos. “Se não fosse um trabalho da pós-graduação”, lamentou e suspirou. E se fosse apenas o desafio de uma amiga entediada, uma das birutices da Carol, que havia sido engolida pelo trabalho? “Nunca mais tive Carol e suas birutices!” Num instante, ouviu a voz divertida da amiga: “separei este retalho para você. Nele, há uma história escondida, uma história presa nas tramas, texturas e cores do pedaço do tecido. Você tem a tarefa de contar essa história, mas, para que ela se revele perfeitamente, o estilo de narrar deve acompanhar o estilo de tecer. Tecido leve, escrita leve; tecido colorido, escrita colorida; tecido sóbrio, escrita sóbria”.

Parou um segundo e percebeu que não era mais um trabalho da pós. Era um desafio da Carol, do qual não fugiria! Foi a vez dela de levantar a sobrancelha para a folha na tela. Começou a tecer: lá foram a correr substantivos, verbos, artigos e adjetivos. Decidiu contar na terceira pessoa, como espectadora da própria história. Parou logo após escrever “espectadora da própria história”. É que o retalho havia escorregado e agora estava deitado no chão de madeira. Mais uma vez, suas mãozinhas o seguraram.

Olhou para ele por cima dos óculos, como se o estivesse vendo pela primeira vez. Era preto e branco, portanto, clássico e sóbrio, certo? Mas também era estampado, divertido, com flores grandes e uma alegria primaveril. E quanto à espessura? Bem, era grosso se comparado à seda, e leve se confrontado com a lã. “Sóbrio e divertido, leve e grosso, isso não é nada bom”, pensou. Sim, era difícil de definir, tal qual seu texto, o qual queria ser sério e virou divertido, e pretendia ser leve e foi ganhando peso, com períodos mais longos.

O novelo era curto e a folha estava acabando. Sabia que era hora de dar o arremate final. “Se não tivesse começado daquela forma e nem enrolado no meio”, culpou-se. Agora estava ali um texto sem pé nem cabeça, assim como o retalho, que não é vestido, não é calça e nem mesmo uma blusa! É só um pedaço! Pedaço de pano, pedaço de texto.

Decidiu salvar o documento. Depois, enviou à professora, com cópia oculta para a amiga Carol. Por fim, lançou um olhar zangado à sobra de tecido e disse com rancor: “você não deu nem pano para a manga!”

Gabriela Mendes

4 comentários:

Tania disse...

A Gabi achou gordinho e não postou. Como eu achei uma delícia, eu postei pra Gabi. Amo comparptilhar as coisas, principalmente as maravilhosas. Como este texto. Não é a cara da autora? E o final, então? Ah, Gabi, quando eu conseguir gozar minhas férias, vou no Centro almoçar com vc, Karen, Edna.

patricia disse...

Ah Gabi, que delícia de texto. Qdo for grande quero escrever igualzinho vc! Estou com a Tania, precisamos marcar um almoço aqui no Centro. Podemos marcar com a Mari tb, ela está trabalhando aqui no Centro tb. Bjins

Gabi disse...

Ah, que gostoso ouvir (ler) elogios! :)

Beijinhos gordinhos n'ocês.

P.S.: Estou lançando a campanha "Almoço já!".

edna farias disse...

Oi, Gabi,
Já mandei elogios rasgados ao seu texto quando você o enviou pelo Grupo, lembra?
Quanto à campanha "almoço já", tô dentro. Que tal sexta-feira, hein meninas?