quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A menina da floresta, do rio, da casa, do barco

Casinha simples no meio da floresta. A menina-moça sai e circunda o olhar pelos arredores. Quase sem ver, pois sabe cada árvore, cada planta, cada pedra...
Rodopia em homenagem ao paraíso que a rodeia. Dirige-se, lépida, ao rio em cuja margem mora. Banha-se.
Volta por um caminho mais longo, pois precisa colher os alimentos para o dia.
Prepara amorosamente a refeição, enquanto espera o pai que, acordando enquanto ela estivera fora, também se dirigira ao rio.
Cantarola e improvisa passos de dança que nunca vira, limpando e arrumando a casinha. Enfeita-a com flores e plantas em profusão. O pai costuma dizer, às gargalhadas, que, qualquer dia, terá que abrir espaço entre os cômodos da casa com um machado, pois não saberá mais o que é floresta e o que é moradia.
Como sua vida é boa, serena, feliz... Ela e o pai têm tudo de que precisam. Ou melhor, quase tudo. E esse é o senão.
A cada período, o pai precisa pegar o barco e ir buscar o que é impossível tirar ali mesmo daquela terra. É um dia inteiro fora e, para a menina, um dia de apreensão, suplício, medo, pavor... E se ele não voltar? O que será dela? Só há aquele barco. E, mesmo que houvesse outro, ela não saberia para onde ir. Jamais saíra dali. Não sabe sequer aonde exatamente o pai vai naqueles dias. Não poderia sequer procurá-lo ou ficar sabendo o que lhe acontecera.
Nesse dia de ausência do pai, encaminha-se, como sempre, para o rio, mas só há tristeza em sua alma. Está totalmente entregue ao desespero e à solidão.
Enquanto se banha, lentamente começa a perceber que as águas tornam-se menos frias, mais lentas. Fica imóvel e sente que o rio a acaricia mornamente, como a querer consolá-la.
Sai da água e, no caminho, as folhagens e ramas vão inclinando-se e envolvendo-a docemente, num abraço carinhoso.
Chega à campina e a relva dobra-se ligeiramente, como a incentivá-la a deitar-se em seu leito. Ela o faz.
O sol, terno, passeia por seu corpo aquecendo-a gradativamente: o rosto, os ombros e braços, o dorso, as pernas e pés. Pronto! Está relaxada e aquecida. O sol levou a tristeza, trazendo alegria!
Levanta-se e se depara com uma rampa bastante íngreme de grama, que a desafia a utilizar seu contorno escorregadio numa louca descida. Lança-se a escorregar grama abaixo cada vez mais rápido; cada vez mais livre. Grita e grita e grita... não sabe bem o que!
Então a velocidade começa a diminuir e ela pára mansamente, tonta de gozo.
Naquele momento, pingos de paz começam a cair. Ergue o rosto para a chuva fina que a acalma e acalenta.
Repleta de tantas emoções, aconchega-se a um tronco e adormece. Os frondosos galhos a protegem; a poderosa árvore lhe faz companhia.
Quando acorda, corre ansiosa e apreensiva até a beira do rio, para o ponto onde o pai sempre deixa o barco.
Não está lá! Olha para a extensão do rio até onde sua visão alcança. Há um pontinho que parece, lentamente, crescer. Corre ao longo do rio buscando distinguir aquilo que parece ver. Corre e corre na beira do rio, sem perder de vista o ponto. Até que, com o coração a dar saltos, percebe que é um barco. E, pouco depois, reconhece a embarcação do pai.
Agora está tudo bem, e a vida da menina da floresta da beira do rio segue boa, serena, feliz...
Até o dia em que o pai precisará novamente ausentar-se...

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