“Se não fosse domingo”, ela lamentou. “Se não estivesse tão cansada”, suspirou. “Se não tivesse deixado para a última hora!" Agora, como libertar as palavras, tão escondidas, recolhidas com medo da folha em branco na tela?
Passara os últimos minutos apertando teclas, como a agulha abrindo caminho para linha. Lá no computador apareciam palavras: foi um substantivo, seguiu um verbo, pingou um artigo e chegou emplumado um adjetivo. “Ei, cabe um adjetivo? Ah, não! Sem adjetivo aqui!” Apagava tudo: adjetivo, artigo, verbo e substantivo. E lá estava a folha em branco a levantar a sobrancelha, desafiando. “Lutar com palavras é a luta mais vã”, disse o poeta.
Segurou o retalho com os dedos gordinhos. “Se não fosse um trabalho da pós-graduação”, lamentou e suspirou. E se fosse apenas o desafio de uma amiga entediada, uma das birutices da Carol, que havia sido engolida pelo trabalho? “Nunca mais tive Carol e suas birutices!” Num instante, ouviu a voz divertida da amiga: “separei este retalho para você. Nele, há uma história escondida, uma história presa nas tramas, texturas e cores do pedaço do tecido. Você tem a tarefa de contar essa história, mas, para que ela se revele perfeitamente, o estilo de narrar deve acompanhar o estilo de tecer. Tecido leve, escrita leve; tecido colorido, escrita colorida; tecido sóbrio, escrita sóbria”.
Parou um segundo e percebeu que não era mais um trabalho da pós. Era um desafio da Carol, do qual não fugiria! Foi a vez dela de levantar a sobrancelha para a folha na tela. Começou a tecer: lá foram a correr substantivos, verbos, artigos e adjetivos. Decidiu contar na terceira pessoa, como espectadora da própria história. Parou logo após escrever “espectadora da própria história”. É que o retalho havia escorregado e agora estava deitado no chão de madeira. Mais uma vez, suas mãozinhas o seguraram.
Olhou para ele por cima dos óculos, como se o estivesse vendo pela primeira vez. Era preto e branco, portanto, clássico e sóbrio, certo? Mas também era estampado, divertido, com flores grandes e uma alegria primaveril. E quanto à espessura? Bem, era grosso se comparado à seda, e leve se confrontado com a lã. “Sóbrio e divertido, leve e grosso, isso não é nada bom”, pensou. Sim, era difícil de definir, tal qual seu texto, o qual queria ser sério e virou divertido, e pretendia ser leve e foi ganhando peso, com períodos mais longos.
O novelo era curto e a folha estava acabando. Sabia que era hora de dar o arremate final. “Se não tivesse começado daquela forma e nem enrolado no meio”, culpou-se. Agora estava ali um texto sem pé nem cabeça, assim como o retalho, que não é vestido, não é calça e nem mesmo uma blusa! É só um pedaço! Pedaço de pano, pedaço de texto.
Decidiu salvar o documento. Depois, enviou à professora, com cópia oculta para a amiga Carol. Por fim, lançou um olhar zangado à sobra de tecido e disse com rancor: “você não deu nem pano para a manga!”
Gabriela Mendes
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4 comentários:
A Gabi achou gordinho e não postou. Como eu achei uma delícia, eu postei pra Gabi. Amo comparptilhar as coisas, principalmente as maravilhosas. Como este texto. Não é a cara da autora? E o final, então? Ah, Gabi, quando eu conseguir gozar minhas férias, vou no Centro almoçar com vc, Karen, Edna.
Ah Gabi, que delícia de texto. Qdo for grande quero escrever igualzinho vc! Estou com a Tania, precisamos marcar um almoço aqui no Centro. Podemos marcar com a Mari tb, ela está trabalhando aqui no Centro tb. Bjins
Ah, que gostoso ouvir (ler) elogios! :)
Beijinhos gordinhos n'ocês.
P.S.: Estou lançando a campanha "Almoço já!".
Oi, Gabi,
Já mandei elogios rasgados ao seu texto quando você o enviou pelo Grupo, lembra?
Quanto à campanha "almoço já", tô dentro. Que tal sexta-feira, hein meninas?
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