Naquele dia saí de mim.
Ah, como estava cansada de ser eu!
Ia seguindo, dia a dia, sempre a mesma: as mesmas mazelas, as mesmas queixas, as mesmas lamentações. Gente, que enfadonho! Jamais alguém olhou tanto para o próprio umbigo, garanto.
Até que aconteceu o inesperado. Deixei-me surpreender por mim.
Foi assim: surgindo cinco dias de férias em agosto de 2006 e não tendo planos, resolvi que iria todos os dias à praia, caminhando sempre o mais que pudesse, e foi o fiz.
No primeiro dia, desci do metrô logo na estação Arco Verde e caminhei pelo calçadão da praia até o arpoador. Chegando lá, voltei lentamente pelo mesmo caminho, já perscrutando um lugar na areia para ficar. Um rapaz de uma das tantas tendas me sorriu e convidou a descer. Aceitei, pois era próximo à estátua em homenagem a Drumonnd, e seria interessante observar o comportamento das pessoas em relação ao monumento.
Durante quatro dias tudo aconteceu exatamente igual: caminhava até o Arpoador, voltava e sentava na barraca de sempre, pedindo a água de coco de sempre e lendo o livro de sempre, não dando nenhuma chance ao destino para mudar coisa alguma.
Até que, no quinto e último dia, resolvi, em lugar de ler, observar o que se passava a meu redor. Percebi o rapaz da barraca atento aos meus movimentos; pensando bem, durante todos aqueles dias, sempre que levantava os olhos do livro para pedir algo, lá estava ele atento às minhas vontades. E quando eu passava chegando, ele não acenava sempre? E quando eu voltava para finalmente sentar, ele não acudia armando a cadeira de praia no lugar costumeiro?
Seguindo um impulso, pois nunca bebo sozinha, pedi uma cerveja. Como sempre, ele atendeu rapidamente. Aproveitou, então, para me perguntar se não queria ser refrescada pela água que ele buscaria no mar com seu regador. Achei interessante, pois a idéia de entrar nas águas de Copacabana não me atraía nem um pouco. Freqüentei a praia todos aqueles dias sem nunca entrar no mar. Para mim, água tem que parecer limpa, e aquela, em nenhum dia, o parecera.
Aceitei o banho dado por ele e voltei a sentar, mas ele não se foi. Ao contrário, agachou-se ali na areia entre seu regador e minha cadeira e pôs-se a conversar.
Uma conversa banal, algo para passar o tempo, sem grandes pretensões. Tudo parecia que transcorreria assim, assim, até o papo morrer em banalidades como muitas vezes acontece. Mas não foi o que aconteceu, pelo menos não para mim, pois tudo mudou quando ele disse ter certeza de eu não ser carioca. Intrigada, disse que ele havia acertado, porém gostaria de saber o que me havia denunciado. Ele disse que sou muito calma, falo muito devagar, mas, sobretudo, uso muita roupa. As cariocas vão à praia quase que com a roupa já de banho. Enquanto eu, em meus grandes e largos vestidos majestosamente rústicos, parecia uma rainha desfilando no calçadão de Copacabana. Ele me via de longe e não cansava de admirar.
Informei que sou de Minas Gerais, e ele, num equívoco, achou que eu estivesse no Rio de férias. E foi quando aconteceu: deixei que ele assim pensasse. Gente, que sensação interessante!
Incentivei-o a falar, e ele compôs minha personagem. Pronto! Lá estava eu, entretanto não era eu. Estava surgindo ali uma edna novinha em folha, segundo as impressões daquele rapaz, e isso era libertador. Que delícia ser uma mineirinha de férias no Rio de Janeiro, ouvindo-o falar das maravilhas da Cidade e dos pontos turísticos imperdíveis.
Pedi que descrevesse cada uma das atrações do Rio, e tudo se tornou absolutamente novo aos meus olhos, pois via através dos olhos dele. Com que encantamento eu prestava atenção e admirava tudo o que ele dizia! Juro que me sentia a mineira recém-chegada à Cidade que ele julgava que eu fosse.
Foram as duas cervejas mais demoradas que já tomei. Ele é do Nordeste, porém já está no Rio há anos – como eu, aliás – e falou de tudo que já viu com um orgulho tão grande, com uma admiração tão imensa por esta Cidade!
Como foi bom deixar de ser eu por umas poucas horas...
Despedi-me prometendo voltar no dia seguinte, como voltara nos dias anteriores. Entretanto, não fui eu quem prometeu, mas aquela outra edna, pois o dia seguinte seria sábado e não vou à Copacabana no final de semana. Aliás, não vou à Praia de Copacabana durante o dia nunca, pois prefiro a Barra da Tijuca. Copacabana, só à noite para caminhar no calçadão entre aquela saudável miríade de gente. Faz tão bem ser apenas mais um em meio aquele povo exótico. Não há padrão de comportamento, nem de roupa, nem de nada. Pode-se ser qualquer coisa e tudo, sem se importar com o olhar alheio. É muito interessante.
Aquela ociosa semana de agosto foi uma exceção que me salvou de mim.
Ah, como estava cansada de ser eu!
Ia seguindo, dia a dia, sempre a mesma: as mesmas mazelas, as mesmas queixas, as mesmas lamentações. Gente, que enfadonho! Jamais alguém olhou tanto para o próprio umbigo, garanto.
Até que aconteceu o inesperado. Deixei-me surpreender por mim.
Foi assim: surgindo cinco dias de férias em agosto de 2006 e não tendo planos, resolvi que iria todos os dias à praia, caminhando sempre o mais que pudesse, e foi o fiz.
No primeiro dia, desci do metrô logo na estação Arco Verde e caminhei pelo calçadão da praia até o arpoador. Chegando lá, voltei lentamente pelo mesmo caminho, já perscrutando um lugar na areia para ficar. Um rapaz de uma das tantas tendas me sorriu e convidou a descer. Aceitei, pois era próximo à estátua em homenagem a Drumonnd, e seria interessante observar o comportamento das pessoas em relação ao monumento.
Durante quatro dias tudo aconteceu exatamente igual: caminhava até o Arpoador, voltava e sentava na barraca de sempre, pedindo a água de coco de sempre e lendo o livro de sempre, não dando nenhuma chance ao destino para mudar coisa alguma.
Até que, no quinto e último dia, resolvi, em lugar de ler, observar o que se passava a meu redor. Percebi o rapaz da barraca atento aos meus movimentos; pensando bem, durante todos aqueles dias, sempre que levantava os olhos do livro para pedir algo, lá estava ele atento às minhas vontades. E quando eu passava chegando, ele não acenava sempre? E quando eu voltava para finalmente sentar, ele não acudia armando a cadeira de praia no lugar costumeiro?
Seguindo um impulso, pois nunca bebo sozinha, pedi uma cerveja. Como sempre, ele atendeu rapidamente. Aproveitou, então, para me perguntar se não queria ser refrescada pela água que ele buscaria no mar com seu regador. Achei interessante, pois a idéia de entrar nas águas de Copacabana não me atraía nem um pouco. Freqüentei a praia todos aqueles dias sem nunca entrar no mar. Para mim, água tem que parecer limpa, e aquela, em nenhum dia, o parecera.
Aceitei o banho dado por ele e voltei a sentar, mas ele não se foi. Ao contrário, agachou-se ali na areia entre seu regador e minha cadeira e pôs-se a conversar.
Uma conversa banal, algo para passar o tempo, sem grandes pretensões. Tudo parecia que transcorreria assim, assim, até o papo morrer em banalidades como muitas vezes acontece. Mas não foi o que aconteceu, pelo menos não para mim, pois tudo mudou quando ele disse ter certeza de eu não ser carioca. Intrigada, disse que ele havia acertado, porém gostaria de saber o que me havia denunciado. Ele disse que sou muito calma, falo muito devagar, mas, sobretudo, uso muita roupa. As cariocas vão à praia quase que com a roupa já de banho. Enquanto eu, em meus grandes e largos vestidos majestosamente rústicos, parecia uma rainha desfilando no calçadão de Copacabana. Ele me via de longe e não cansava de admirar.
Informei que sou de Minas Gerais, e ele, num equívoco, achou que eu estivesse no Rio de férias. E foi quando aconteceu: deixei que ele assim pensasse. Gente, que sensação interessante!
Incentivei-o a falar, e ele compôs minha personagem. Pronto! Lá estava eu, entretanto não era eu. Estava surgindo ali uma edna novinha em folha, segundo as impressões daquele rapaz, e isso era libertador. Que delícia ser uma mineirinha de férias no Rio de Janeiro, ouvindo-o falar das maravilhas da Cidade e dos pontos turísticos imperdíveis.
Pedi que descrevesse cada uma das atrações do Rio, e tudo se tornou absolutamente novo aos meus olhos, pois via através dos olhos dele. Com que encantamento eu prestava atenção e admirava tudo o que ele dizia! Juro que me sentia a mineira recém-chegada à Cidade que ele julgava que eu fosse.
Foram as duas cervejas mais demoradas que já tomei. Ele é do Nordeste, porém já está no Rio há anos – como eu, aliás – e falou de tudo que já viu com um orgulho tão grande, com uma admiração tão imensa por esta Cidade!
Como foi bom deixar de ser eu por umas poucas horas...
Despedi-me prometendo voltar no dia seguinte, como voltara nos dias anteriores. Entretanto, não fui eu quem prometeu, mas aquela outra edna, pois o dia seguinte seria sábado e não vou à Copacabana no final de semana. Aliás, não vou à Praia de Copacabana durante o dia nunca, pois prefiro a Barra da Tijuca. Copacabana, só à noite para caminhar no calçadão entre aquela saudável miríade de gente. Faz tão bem ser apenas mais um em meio aquele povo exótico. Não há padrão de comportamento, nem de roupa, nem de nada. Pode-se ser qualquer coisa e tudo, sem se importar com o olhar alheio. É muito interessante.
Aquela ociosa semana de agosto foi uma exceção que me salvou de mim.
Um comentário:
Sair para poder entrar.
É assim a costura da vida, né tecelã?
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